quinta-feira, 12 de novembro de 2015

o que eu diria para a Anna de 12 anos?

eu diria: não tenha medo.

Esse blog sempre foi muito pessoal - e talvez por isso mesmo eu poste pouco.
Às vezes me pego lendo postagens antigas e rindo de mim mesma, por já ter mudado tanto até hoje.
O mais engraçado é que, quando se tem 12 anos, você acredita que ter consciência total das coisas; acredita sua vida vai estar perfeita quando fizer 15 anos.
Aos 15, você percebe que nada mudou, e acredita ter amadurecido tudo que faltava para ser adulta, e que aos 18 definitivamente sua vida vai estar totalmente planeja, independente e feliz.
Ai quando você chega aos 18 você decide parar de prolongar o momento em que "sua vida vai está perfeita", e vê o quanto você mudou até aquele momento. E ainda assim acredita que agora, adulta, você atingiu totalmente a consciência das coisas e já formou totalmente sua personalidade.
E hoje aos 22, sei que tudo que vivo e tudo que vou viver, influência quem sou, e assim nunca chegará aquele momento que você "estabiliza" o que você é, o que você conquistou, o que alcançou. Eu estou sempre mudando - e espero que sempre pra melhor.

Mas essa postagem não é sobre as mudanças da vida, e sim sobre algo que eu, e todas as mulheres que conheço já passaram; assédio.
Devido a repercussão toda gerada pelos assédio pela internet contra a participante do MasterChef "das crinaças", muita gente usou a internet para contar o primeiro assédio que sofreram.
Eu li muito, e confesso que admirei a coragem daquelas pessoas.
E então pensei; mas o que me impede de compartilhar uma das coisas que passei? Sim, "uma das coisas", porque toda mulher já passou por não uma, não duas, mas inúmeras situações de assédio, e que culpa eu (nós) temos? Eu "pedi" aquilo? Não.
Então percebi que nesse ponto eu não tinha exatamente "progredido" desde os meus 12 anos. Ainda tinha medo de expor aquilo. Expor e me criticarem. Expor e eu ser ataca por algo que fizeram a mim.
Então, ao invés de compartilhar no facebook, preferi deixar registrado aqui no meu cantinho, até porque faz parte de mim, do que vivi.
Hoje penso naquela menina de 12 anos, e vejo como naquela idade temos certeza que não somos mais crianças. Que já tá na hora de usar maquiagem e ter namoradinhos. Não vejo problema nisso, sinceramente. Mas só porque uma criança (sim criança, mesmo achando que não era) está crescendo, ganhando curvas e seios, passou brilho labial, ela não tá pedindo nada. Absolutamente nada.

Comecei a trabalhar cedo com meu pai, em uma pequena salinha comercial, onde era a imobiliária dele. Era bem pequena, e só trabalhávamos nós dois, atrás de um balcão virado para a rua. Ao lado tinha outras salas, com outros comércios.
Eu tinha doze anos. Ia trabalhar direto da escola, sempre de uniforme.
Muitas vezes meu pai precisava ir ao banco, ir visitar um imóvel, levar um cliente pra uma visita. Eu ficava sozinha no trabalho. Mas sempre meu pai passava na lojinha do lado e dizia: ~fulano~, vou deixar ela sozinha aqui um pouco, você fica de olho?
E então o fulano não saia de lá de dentro até meu pai voltar. No começo eu achava que ele era pessoa legal, sempre vinha conversar comigo, me fazer companhia, perguntava como eu estava na escola. Outro dias, perguntava dos namoradinhos, e ficava falando "como assim você não tem, é tão lindinha"... Eu entendia isso na época como um elogio, não conseguia enxergar como enxergo hoje. Não interpretei o tom daquele comentário.
Em oportunidades seguintes, esses papos continuavam. Certa vez lembro de ter ficado muito envergonhada por ele ter dito que meus seios eram pequenos e redondos, como ele gostava.
Até que um dia, por cima do balcão, ele tentou passar as mãos nos meus seios. Dei um passo para trás. Vergonha, medo, principalmente por alguém ver e contar pro meu pai.
Mas naquele dia, ele não satisfeito, ficou insistindo muito para eu deixar ele passar a mão por debaixo da minha blusa. Eu fiquei longe do balcão dizendo não.
O telefone tocou, fui atender. Quando me virei, ele tinha entrado na imobiliária, estava na parte de dentro perto do balcão, com as calças abaixadas batendo uma.
Naquele momento eu fiquei apavorada. A única coisa que passava na minha cabeça era "se meu pai chegar ele me mata". Porque, como sempre, eu achava que a culpa daquilo era eu. Ele mesmo, enquanto fazia o que estava fazendo, dizia: "olha como você me deixa".
A culpa é sempre da vítima, não é mesmo?
Eu estava apavorada, com medo. Eu, na minha inocência, não queria ter feito aquilo, seja lá o que fosse. Me culpava por algo que nem sabia o que era.
Não sei se foi pela minha cara de pânico, mas ele subiu as calças e foi embora.
Essa cena ficou marcada na minha memória. Não contei pra ninguém, principalmente para o meu pai, pois tinha muito medo, muito mesmo, dele ou não acreditar em mim, ou brigar comigo porque deixei o ~fulano~ assim (como o próprio dizia). Na verdade não contei para o meu pai até hoje.
Até hoje, poucas, duas ou três, sabem dessa história. Hoje vejo o que aquele cara, com 25 anos, fez com uma menina de 12. Me dá nojo, e revolta. Assédio não é só quando há contato sexual. Um "fiu fiu" na rua é assédio. Tudo que deixar uma mulher desconfortável. E pra mim, aquele dia foi o mais desconfortante da minha vida.

Hoje, o que digo é; meninas, não tenham medo. Conte qualquer situação que pareça desconfortável para alguém. Nem que esse alguém seja a polícia. Isso precisa parar; eu passei, minha mãe passou, minha avó passou, e infelizmente minha filha irá passar. Hoje, com a internet fica muito mais fácil de ter a consciência de que a culpa não é sua. A culpa é do assediador.

E ainda, essas situações traumatizam; um pouco depois do incidente perdi o contato com o ~fulano~ (ainda bem). Porém há uns 2 anos, com 20 anos, eu o ví no shopping. O mesmo desconforto, e todas as memórias tomara contam de mim por um instante. Como que por reflexo, como se meu corpo quisesse se defender. Sei que ele casou e se tornou pastor - vi um banner sobre um evento que ele ia pregar, e senti nojo.

Queria que nenhuma criança tivesse que passar por isso. Nunca.
Essa é minha contribuição para o #primeiroassédio, e espero encorajar outras pessoas a contarem suas histórias.

Tenho fé que haverá uma geração que não terá que passar por isso; estamos aqui pra lutar por isso.
Não tenham medo.